As profissões do futuro surgirão, mas o Brasil terá profissionais do futuro? - Vinicius Marchese
As profissões do futuro surgirão, mas o Brasil terá profissionais do futuro?

Li a história da professora Roseli Lopes na Folha de São Paulo do último domingo e fiquei ainda mais encantado com o poder transformador da educação que envolve o empreendedorismo científico e a busca por soluções sociais por meio da tecnologia. Ela, que é professora na USP, transforma a educação no Brasil por meio da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE). Há algum tempo, escrevi um artigo em que mencionava que as profissões que as crianças de hoje vão exercer no futuro, em sua maioria, ainda nem existiam no mercado. Hoje, escrevo para fazer um alerta: se não multiplicarmos as experiências como a da FEBRACE em todo o país, as novas profissões surgirão no futuro (muito próximo), mas não teremos brasileiros aptos para desempenhá-las.

De certa forma, isso já tem acontecido, segundo um relatório da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação, Comunicação e de Tecnologias Digitais (BRASSCOM), o Brasil, há pouco mais de um ano, sofria com um déficit de cerca de 260 mil profissionais no setor de tecnologia. A demanda por estes trabalhadores tem aumentado 4,5% a cada ano. Ou seja, a nova realidade do mercado digital já tem “atropelado” a nossa realidade educacional por conta de um gargalo que vem desde a educação primária.

De acordo com dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em 2019, 86% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos já tinham acessado a internet pelo menos uma vez na vida. No entanto, o acesso à tecnologia e à internet não significa necessariamente inclusão, já que a formação educacional para o uso consciente da web e da tecnologia não é tão presente ainda nas escolas, sobretudo na escola pública.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), indicavam, há dois anos, que apenas 26% das escolas brasileiras ofereciam algum tipo de curso de informática ou tecnologia. Isso destaca a necessidade de maior investimento na educação em tecnologia e na promoção de projetos de robótica nas escolas para preparar a próxima geração para as demandas de um mercado de trabalho em rápida mudança.

A instalação de laboratórios e a chegada de equipamentos multimídia para as escolas é apenas o primeiro e básico degrau na escalada da inclusão digital. A promoção de feiras de ciências nas escolas, como a FEBRACE, pode desempenhar um papel crucial na formação da força de trabalho do futuro do Brasil e, portanto, em seu desenvolvimento tecnológico e inovador.

Ainda de acordo com o INEP, em 2020, apenas 7,8% dos estudantes brasileiros alcançaram um nível adequado de proficiência em ciências, enquanto a média entre os países da OCDE é de 16,3%. Isso mostra que o Brasil ainda está longe de alcançar o nível de educação científica necessário para competir no cenário global.

As feiras de ciências são uma ferramenta poderosa para envolver os alunos em ciência e tecnologia, estimular sua curiosidade e criatividade e desenvolver suas habilidades de pensamento crítico. Elas oferecem uma oportunidade para que os alunos explorem conceitos científicos de maneira prática e desenvolvam suas próprias ideias e soluções para problemas do mundo real.

No Brasil, além da FEBRACE, iniciativas como a Feira Nacional de Ciência e Tecnologia (FENECIT), a Mostra Brasileira de Ciência e Tecnologia (MOSTRATEC) e a Feira de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (FETESP) têm promovido feiras de ciências e ajudado a desenvolver a próxima geração de cientistas e inovadores brasileiros. Precisamos multiplica-las e, principalmente, interioriza-las.

O impacto dessas iniciativas pode ser visto no sucesso dos estudantes brasileiros em feiras de ciências internacionais, como a Feira Internacional de Ciência e Engenharia (ISEF), onde os estudantes brasileiros ganharam inúmeros prêmios e reconhecimentos por seus projetos inovadores nos últimos anos.

Investir na educação em ciências e promover as feiras de ciências nas escolas não é apenas importante para o desenvolvimento da próxima geração de cientistas e inovadores brasileiros, mas também para o crescimento econômico e a competitividade do país. À medida que o mundo se torna cada vez mais impulsionado pela tecnologia e inovação, o Brasil não pode se dar ao luxo de ficar para trás.

Como disse, novas profissões surgirão, mas será que teremos profissionais para exercê-las? Temo que, se não tivermos medidas disruptivas na educação digital sob todas as esferas, isso pode não acontecer. Correr atrás desta formação de forma urgente será o fator determinante para definir o Brasil de daqui a 10, 20, 30 anos.

Vinicius Marchese é engenheiro e presidente do CREA-SP.