Superar o déficit de 530 mil engenheiros em 2 anos: missão impossível? - Vinicius Marchese
Superar o déficit de 530 mil engenheiros em 2 anos: missão impossível?

Quem já ouviu aquele ditado: “Já bati tanto na mesma tecla, que até o piano já se cansou”?. Desde que entrei para o Sistema Confea/Crea e Mútua e mergulhei no universo da transformação, comecei a me preocupar com o futuro dos profissionais da área tecnológica e, consequentemente, com a demanda do mercado brasileiro. Neste mês, a Revista Istoé publicou uma reportagem afirmando que o déficit de engenheiros no Brasil, nos próximos dois anos, será em torno de 530 mil. E, apesar de a formação de profissionais não acompanhar o aumento da demanda, este não é o principal problema.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o número de graduandos nos cursos de engenharia aumentou gradativamente nos últimos 10 anos, mas de uma forma que não atende a demanda do mercado. Como isso é possível?

Primeiro, por conta de um engenheiro formado não necessariamente significar um engenheiro exercendo a sua profissão técnica. Há centenas de milhares de engenheiros trabalhando – não como engenheiros – no mercado financeiro, na corretagem de imóveis e em incontáveis outros segmentos.

Outro ponto está na estrutura educacional do Brasil, que, por mais que tenha havido modernização nas últimas décadas, ainda forma profissionais defasados no que se refere à transformação digital do mundo globalizado. Em outras palavras, não estamos atendendo as necessidades técnicas do mercado de trabalho. Durante o meu primeiro mandato à frente do Conselho, procurei trazer para dentro de casa o universo das startups e hubs de engenharia, que estão alinhadas com o universo tecnológico e com a necessidade de novas profissões, mercados e produtos. 

Entendendo a realidade, é como se, academicamente, a formação de um profissional acontecesse na máquina de escrever, mas o que o espera no mercado são habilidade além do diploma. Ou seja, o número de engenheiros formados aumenta, mas a qualificação necessária para atender às demandas diversas, não acompanha. E, não, não há responsabilidade dos engenheiros, agrônomos, geocientistas e tecnológicos neste processo, porque aqui falo sobre a qualificação estrutural – aquilo que as universidades ensinam, que o governo norteia por meio do MEC.

Um engenheiro se forma engenheiro, mas tem que ir atrás de muita educação continuada para cobrir os buracos de sua graduação. Neste percurso, por conta do investimento financeiro e, claro, de tempo, muitos optam por outras vias e caminhos mais rentáveis e acessíveis.

Não é à toa que esta questão foi tratada na última edição do Fórum Econômico Mundial como primordial para enfrentar os desafios do mercado de trabalho. Em um dos documentos, há um consenso das Nações Unidas no que se refere à requalificação e aperfeiçoamento dos profissionais (nos termos, em inglês, reskilling e upskilling). Ou seja, sem multidisciplinaridade não haverá profissional qualificado. Não há um bom engenheiro civil que não tenha noções sobre engenharia de software, sobre IA, sobre todas as tecnologias emergentes, e vice-versa. Agora, se a fonte que alimenta o conhecimento destes profissionais não acompanha as mudanças, como tratar o problema do déficit de engenheiros qualificados?

Como engenheiro por formação, e como presidente licenciado do Crea-SP, aponto algumas medidas emergenciais para conseguirmos pelo menos diminuir este déficit alarmante e que já surge no horizonte daqui a 2 anos. Primeiro, ações educacionais efetivas de requalificação, de atualização de reinserção de engenheiros que se formaram, mas não entraram no mercado de trabalho. Muito pelo que disse do “complexo da máquina de escrever” foram literalmente retirados do mercado – passivamente – pelo fato de sua formação não acompanhar os conceitos da Indústria 4.0.

Outro ponto passa pela base educacional: ou seja, um engenheiro não nasce no ENEM, no vestibular. Quando um estudante entra no curso de engenharia, ele já nasceu. O seu embrião foi na educação básica, no ensino médio, em casa, na formação cultural. Como a nossa estrutura educacional trabalha este dado com as crianças e jovens? Em cima de cursos e informações que, em pouco tempo serão atropeladas pela tecnologia, ou construindo uma formação que utiliza as mudanças como ferramenta?

Parece óbvio, mas infelizmente não é. Para se ter uma ideia do tanto que estamos atrapalhados na tentativa de resolver este problema, a última reforma do ensino médio, por volta de 2017, 2018, incluiu no chamado “Novo Ensino Médio” disciplinas como empreendedorismo, comunicação, entre outros. No entanto, criaram-se disciplinas para as quais os professores não são capacitados pelo estado para lecioná-las. É como se eu, engenheiro de telecomunicações, tivesse que lecionar gastronomia. O buraco é muito mais embaixo.

Quem assistiu ao último filme Missão Impossível viu Tom Cruise, o Ethan, em busca de uma chave para o que seria o cérebro da inteligência artificial. No enredo, pressupõe-se que quem tiver essa chave terá a habilidade de dominar o mundo como quiser. Tirando a fantasia do filme e aplicando de forma didática à nossa realidade, é isso que vai acontecer: quem conseguir formar engenheiros do futuro, em sintonia com o mundo moderno, terá a chave do desenvolvimento. As nações que não conseguirem, ficarão presas no atraso. O filme Missão Impossível ainda não tem a parte 2, nem a nossa realidade aqui no Brasil. Ao contrário do enredo, eu acredito que a missão de fazer do Brasil um lugar com profissionais à altura das demandas não é impossível.