Reforma tributária no Brasil: urgência para não virarmos o império de Calígula  - Vinicius Marchese
Reforma tributária no Brasil: urgência para não virarmos o império de Calígula 

Os brasileiros gastam, em média, 1.501 horas por ano para cumprir obrigações tributárias, o que é significativamente maior do que a média global de 332 horas. Como cidadão brasileiro, como engenheiro, como representante de um conselho profissional que abraça várias etapas do setor produtivo, eu tenho uma certeza: a complexidade tributária dificulta a transparência dos gastos públicos, onera o preço dos produtos e serviços e poda o desenvolvimento de empregos e o crescimento de empresas

O governo brasileiro pretende aprovar a nova reforma tributária até outubro, mas as mudanças devem ser graduais ao longo dos próximos 40 anos. Hoje, nós temos um dos sistemas tributários mais complexos e onerosos do mundo. Há dezenas de impostos em nível federal, estadual e municipal. E, além das taxas sobre importações, que são naturais, recentemente o governo criou taxação também sobre a exportação.

A complexidade do sistema, combinada com as altas taxas de impostos, resulta em uma carga tributária significativa para empresas e indivíduos. Como resultado, o país tem tido dificuldades em atrair investimentos estrangeiros, e muitas empresas estão se mudando para outros países com sistemas tributários mais favoráveis.

Este afastamento dos investimentos estrangeiros se deve ao progresso destas propostas de reforma acontecerem de forma lenta. O sistema tributário atual não é apenas complexo, mas também ineficiente. Por exemplo, o sistema tributário arrecada uma quantia significativa de receita, mas o governo é incapaz de fornecer serviços públicos adequados. E isso não é novidade para ninguém: ineficiência da malha viária, ferroviária e hidroviária, colapso da saúde pública com filas homéricas para procedimentos simples, obras inacabadas, educação primária precária…

No ano passado, a receita tributária no Brasil representou cerca de 33% do PIB do país. Isso é significativamente maior do que a média global de 14,8%. Embora alguns argumentem que uma receita tributária alta seja necessária para financiar serviços públicos, é claro que o sistema tributário atual não está funcionando de forma eficaz.

Para piorar a situação, o Brasil tem um alto nível de evasão fiscal, o que agrava o problema. Estimativas recentes sugerem que a evasão fiscal no Brasil representa aproximadamente 16,3% do PIB, o que é um dos níveis mais altos do mundo.

Em conclusão, a reforma tributária no Brasil está há muito tempo atrasada. O sistema atual é complexo, ineficiente e oneroso para empresas e indivíduos. O governo precisa implementar uma reforma tributária abrangente que simplifique o sistema, reduza as taxas de impostos e aumente a conformidade. Isso não apenas ajudará a atrair investimentos estrangeiros, mas também estimulará o crescimento econômico e criará mais empregos. É hora de o governo brasileiro agir e criar um sistema tributário que funcione para todos.

E, na minha opinião como cidadão e engenheiro que tanto acredita na transformação digital, um sistema que funciona é aquele que é simplificado: um imposto único, por exemplo, e cujo caminho do dinheiro seja facilmente entendido pelos brasileiros. Ou seja, eu pago um imposto e sei o percentual que vai para cada área do governo, para cada estado da federação, para cada município. Parece óbvio, mas o óbvio no Brasil, muitas vezes, deixa de existir para dar lugar.

Nas primeiras décadas da era Cristã, o Império Romano era governado por Calígula. Ele iniciou o seu governo com forte apoio popular e em uma oposição ferrenha aos velhos senadores, que também eram os mais ricos de Roma. Ao mesmo tempo, os gastos com o dinheiro público eram desproporcionais ao que era pago em impostos e, dentro de poucos anos, ele resolveu mandar matar os mais ricos para que o estado ficasse com os bens e exigiu um pagamento maior de impostos da sociedade – que já era demasiadamente pobre e vulnerável.

Dois mil anos se passaram e, aqui no Brasil, muitas vezes vemos a política de Calígula se repetir: o inchaço da máquina, a má distribuição do que é arrecadado e a criação de impostos que sacrificam os mais pobres. Quero acreditar que com a reforma tributária prevista para ser aprovada ainda este ano esta semelhança desagradável com os tempos do império romano se desfaça. Que melhoremos a relação entre o público e o privado e, também a performance da administração pública para os serviços públicos oferecidos às pessoas.

Vinicius Marchese é engenheiro e presidente do CREA-SP.