Plano Diretor de São Paulo: um novo olhar sobre a cidade, ou a garantia de velhos privilégios? - Vinicius Marchese
Plano Diretor de São Paulo: um novo olhar sobre a cidade, ou a garantia de velhos privilégios?

Você sabe o impacto que o Plano Diretor da cidade de São Paulo vai causar na sua vida, no seu trabalho, no seu cotidiano? A maioria das pessoas não sabe, mas está em discussão na Câmara Municipal da nossa cidade a revisão do Plano Diretor, que pretende alterar algumas regras sobre como a nossa cidade se desenvolve: onde é permitido construir grandes prédios, onde não é, o raio de distância destas grandes obras em relação às linhas de metrô, entre vários outros pontos.

Algumas pessoas dizem que o novo Plano Diretor vai levar mais mobilidade e transporte público aos mais pobres, outras dizem que a nova lei favorece as empreiteiras que vão construir prédios que não vão resolver o déficit habitacional. Mas, afinal, quais são os prós e os contras do atual formato em discussão na Câmara? O que devemos discutir e como podemos melhorar este projeto que é tão importante para a toda a sociedade paulistana?

Começando pelos obstáculos, podemos citar o risco de uma expansão urbana descontrolada, que ignora a regularização fundiária de regiões periféricas, bem como o acesso das pessoas mais vulneráveis a serviços de mobilidade urbana e outros pontos básicos como saúde e educação. O plano diretor precisa abordar de forma mais incisiva a questão da regularização fundiária e do acesso a serviços básicos nessas áreas, evitando a reprodução de desigualdades sociais e a segregação urbana.

Outro ponto crucial é a importância da participação popular nas discussões do novo Plano Diretor. A democratização das decisões sobre o desenvolvimento urbano é essencial para a construção de uma cidade mais justa e inclusiva. É necessário garantir espaços de debate e consulta pública, permitindo que os cidadãos influenciem nas políticas urbanas e tenham voz ativa na construção do seu próprio ambiente. Não podemos desenvolver uma cidade exclusivamente com base nos interesses do mercado imobiliário e de empreiteiras que visam, na maioria das vezes, empreender em regiões nobres e construir imóveis que, nem de longe, atenderão às pessoas que não têm casa própria, por exemplo.

No novo Plano Diretor, existe a possibilidade de se construir além do limite estabelecido, mediante o pagamento de uma taxa chamada de outorga onerosa. Essa taxa é direcionada ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que utiliza os recursos arrecadados em projetos relacionados à habitação e transporte.

Entretanto, a revisão propõe uma alternativa interessante para o pagamento dessa taxa. As incorporadoras têm a opção de realizar obras de mobilidade, drenagem e habitação nas mesmas áreas em que desejam construir, em vez de pagar o valor em dinheiro para o Fundurb. E como um incentivo adicional, há um desconto de 10% no montante total devido.

É importante ressaltar que o valor máximo que pode ser convertido em obras é limitado a 50% do montante arrecadado no ano anterior.

 Dessa forma, essa medida busca estimular a realização de melhorias nessas áreas específicas, como a construção de infraestrutura de transporte, sistemas de drenagem eficientes e novas unidades habitacionais, promovendo um desenvolvimento urbano mais equilibrado e sustentável.

Essa nova abordagem oferece uma forma mais direta de investir na melhoria das regiões em que as construções estão sendo realizadas, beneficiando tanto as incorporadoras, que têm a oportunidade de cumprir suas obrigações com obras concretas, quanto a cidade como um todo, que se beneficia com o desenvolvimento de infraestrutura e soluções para as demandas urbanas.

Outro ponto fundamental diz respeito aos “miolos” dos bairros. As áreas centrais dos bairros, conhecidas como “miolos”, possuem restrições mais rigorosas para construções, como limites de altura dos edifícios. Atualmente, o coeficiente de aproveitamento nessas áreas é de 2 vezes, o que significa que é possível construir, sem a necessidade de pagar uma taxa adicional à prefeitura, o dobro da área do terreno. No entanto, a revisão propõe aumentar esse coeficiente para 3 em determinadas regiões.

Essa mudança tem sido bem recebida pelo mercado, que tem enfrentado dificuldades para viabilizar projetos fora dos principais corredores urbanos, resultando em uma concentração de construções nessas áreas centrais dos bairros.

Para entender melhor essa situação, podemos fazer uma analogia com uma festa em um salão de eventos. Atualmente, as áreas fora dos eixos seriam como mesas mais afastadas, com menor visibilidade e restrições de espaço. Já as áreas ao longo dos corredores seriam como mesas mais privilegiadas, próximas ao palco principal. Com a mudança proposta, o Plano Diretor permitiria que as mesas afastadas ganhassem mais espaço e visibilidade, tornando-as mais atrativas para os participantes da festa.

Essa flexibilização do coeficiente de aproveitamento nas áreas do “miolo” dos bairros visa estimular o desenvolvimento urbano de forma mais equilibrada, distribuindo melhor as construções pela cidade. Isso traria benefícios tanto para o mercado, que encontraria mais oportunidades para projetos fora dos eixos, como também para a própria cidade, evitando uma concentração excessiva de edifícios em áreas específicas.

É importante ressaltar que essa mudança deve ser cuidadosamente avaliada e planejada, levando em consideração os impactos urbanísticos, a preservação do patrimônio histórico e arquitetônico, além do equilíbrio entre o adensamento populacional e a qualidade de vida dos moradores. O objetivo final é alcançar um desenvolvimento urbano sustentável, que promova uma distribuição mais equitativa das construções e contribua para uma cidade mais harmoniosa e funcional.

O grande desafio da aprovação do novo Plano Diretor é aliar a ansiedade do mercado e de movimentos sociais por mudanças que atendam seus respectivos interesses à ampla análise e discussão detalhada de cada um dos pontos. Diz o ditado popular que a pressa é inimiga da perfeição. Miguel de Cervantes escreveu que “as obras que se fazem depressa nunca são terminadas com a perfeição devida.” Sobre o futuro de São Paulo, é preciso ter agilidade nas discussões, mas não pressa, é preciso ter rigor, mas sem regras engessadas e limitantes, é preciso pensar no ponto de vista do mercado, mas garantir o desenvolvimento social e a redução das desigualdades urbanas.

Vinicius Marchese é engenheiro e presidente do CREA-SP.